sexta-feira, março 13, 2015

Recuperação da adicção; podemos optar pela esperança.


O evidente estava mesmo à minha frente. Os meus olhos viam, o meu coração negava, era demasiado duro, demasiado vergonhoso e humilhante. Eu esforçara-me tanto para uma boa educação e instrução.Tinha posto regras durante o crescimento... e depois o meu marido sempre a ameaçar que os punha na rua, mas porquê? O que é que eles têm?! Nenhum de nós se atrevia a pronunciar sequer a palavra, delinquentes. Os nossos filhos eram a escória da sociedade, o mundo caiu em cima dos meus ombros, a dor foi tão forte, tão forte que jamais a esquecerei. Começou então a corrida desenfreada aos médicos, medicamentos, desregras, ameaças, perdões, escassos sucessos e maiores afundamentos. As horas passadas à janela e o alívio ao vê-los ao fundo da rua, vivos e logo de seguida a raiva a desilusão das promessas não cumpridas e o medo o medo de tudo o que poderia acontecer.
Lembro-me que pedi ferverosamente ajuda a Deus. Já não sei eu não quero… que eles morram… só Tu me podes ajudar e... no dia seguinte encontrei Famílias Anónimas (FA)[i]. Não foi fácil, ainda não o é, mas encontrei identificação nas partilhas de quem como eu amava e sofria. Também aprendi que a delinquência não era mais que a doença da adição a drogas e álcool. Afinal não eram escória eram doentes, uma doença que os poderia levar ao hospital, à cadeia e o pior, que eu nem queria pensar, a uma cova sem regresso. Uma doença que só eles poderiam travar, e que eu que tantos os amava teria de aprender a amá-los melhor. Aprendi a viver um dia de cada vez, às vezes uma hora ou uns minutos, a viver e deixar viver, a não controlar e manipular. Eu era ainda mais manipuladora que os meus entes queridos, a dar-lhes a dignidade de sofrerem ou exultarem com as suas decisões, foi tão difícil, mas eu tinha o telefone e do outro lado sempre uma voz amiga para falar.
Já lá vão algumas 24 horas, mas para mim faz parte da recuperação. Eu sinto, será um trabalho de eu com o meu eu, até ao fim. Foi através deste programa de 12 passos[ii], que eles acabaram por encontrar o caminho da recuperação e eu encontrei o milagre da união da família, do sorriso, da felicidade que pensei nunca mais voltar a ter.
Gratidão sem limites é o sentimento que nutro por FA. 
Um abraço
Suzete  




[i] As Famílias Anónimas são um grupo de ajuda mútua que utilizam o conceito dos 12 Passos na recuperação dos relacionamentos dependentes. Estes grupos, são oriundos dos EUA (primeiro grupo fundado no final dos anos 50 ), existem em Portugal desde meados dos anos 80. Estes grupos, de homens e mulheres, São considerados uma referência internacional na recuperação (novos estilos de vida) da adicção.
[ii] 12 Passos são a filosofia que sustenta o programa de recuperação individual, de doze etapas, através dos grupos de ajuda mútua (ex. Alcoólicos Anónimos, Narcóticos Anónimos, Família Anónimos, etc.).

Comentário: Bem haja à Suzete pela sua participação no blogue através da sua experiencia, honestidade e recuperação. A adicção afecta significativamente as dinâmicas familiares através do ressentimento, da vergonha, da raiva, sentimento de culpa e do medo, todos são afectados, incluindo as crianças. Nesse sentido, é importante quebrar o estigma, a negação e a vergonha associados aos comportamentos adictivos. Recuperar é que está a dar.


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