quinta-feira, dezembro 20, 2012

O cérebro adicto



Este excerto faz parte de um artigo impresso pela primeira vez na Harvard Mental Health Letter , edição de Julho de 2004.

As dependência de drogas têm sido um problema persistente ao longo de centenas de anos, mas somente na ultima década, os cientistas compreenderam claramente alguns fatores importantes sobre a adicção: sabemos que provoca mudanças duradouras nas funções cerebrais que são difíceis de reverter. Na prática, isso significa que existem muitos cérebros afetados, quase 2 milhões de indivíduos dependentes de heroína e em cocaína, talvez 15 milhões de alcoólicos, e dezenas de milhões de fumadores de cigarros nos Estados Unidos. Qualquer que seja a solução à vista, será sempre extremamente complexa, entretanto sabemos muito mais hoje, do que há 20 ou mesmo 5 anos atrás, sobre os efeitos das substâncias psicoativas, vulgo drogas, geradoras de dependência no cérebro, assim como também podemos utilizar este conhecimento no tratamento e na prevenção.

“Porque é que o cérebro prefere o ópio aos brócolos?” A dependência foi designada desta forma por Steven Hyman, um ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental. A resposta envolve o núcleo accumbens, um agrupamento de células nervosas que se encontram abaixo dos hemisférios cerebrais. Quando um ser humano ou outro animal executa uma ação que satisfaz uma necessidade ou cumpre um desejo, o neurotransmissor chamado dopamina é libertado no núcleo accumbens e produz prazer. Serve como um sinal de ação para com o mecanismo da sobrevivência ou a reprodução, seja direta ou indiretamente. Este sistema é designado de via de recompensa. Quando fazemos algo que oferece essa recompensa, o cérebro regista essa experiência e estamos propensos a repeti-la novamente. Todavia, quaisquer danos nesta zona do cérebro e o abuso de drogas, que liberta dopamina, acabam por comprometer o funcionamento normal desta estrutura cerebral.
Na natureza as recompensas surgem após algum esforço e o seu efeito não é imediato, todavia, com as drogas as pessoas descobrem um atalho, sentem gratificação e prazer sem esforço e o seu feito é imediato. Isto é, o cérebro produz quantidades anormais de dopamina. Neste âmbito, o prazer não está a ser usado para a sobrevivência nem para a reprodução, por isso, a evolução não forneceu ao cérebro uma forma de se proteger. Assim a capacidade natural para produzir dopamina (sistema de recompensa no cérebro) é reduzida e a única forma de o cérebro cumprir as suas funções de libertação de dopamina é somente através do consumo de mais droga. O cérebro vai perdendo as suas funções e recursos a fontes de prazer menos imediatas e mais poderosas de recompensa. O dependente vai necessitando de doses mais elevadas e frequentes para obter a mesma sensação de prazer e bem-estar. Por vezes, a motivação do dependente para consumir drogas pode ser reduzida e/ou as drogas consumidas já não proporcionarem o prazer desejado, no entanto, a estrutura do cérebro responsável pelo prazer exige que sejam elas consumidas.

Memórias convincentes
As mudanças no sistema de recompensa por si só não podem explicar o fenómeno da adicção. Tal como afirmou, Mark Twain sobre o seu hábito de fumar, “Parar de fumar é fácil.”. Ele tinha feito inúmeras tentativas para interromper o consumo de tabaco. Muitos dependentes passam longos períodos de tempo sem consumir a sua droga de escolha, mas correm o risco de recaída, mesmo após anos de abstinência, mesmo quando o circuito de recompensa de dopamina teve tempo de suficiente para recuperar. Estas pessoas são vítimas de estímulos, designadas de reflexo condicionado.

Alterações nas ligações entre as células cerebrais induzidas por drogas estabelecem associações entre a experiência com a droga e as circunstâncias em estas que ocorrem. Estas memórias implícitas podem ser vividas/recordadas intensamente quando os dependentes estão expostos a qualquer lembrança sobre essas situações, tais como; estado de humor, situações, pessoas, lugares ou a própria substância. Um dependente de heroína pode estar em perigo de recaída quando vê uma agulha hipodérmica, um alcoólico quando se cruza com o bar/café onde ele costumava beber ou quando encontra um individuo que foi seu companheiro de bebida. Qualquer adicto pode retomar o hábito ou o estado de humor que ele utilizou para voltar a consumir drogas, seja através de um deslize ou de uma recaída. Ele nunca irá desaprender este comportamento. Uma única dose pequena da droga, em si, pode despoletar uma das recordações mais intensas. Tal como se diz nos grupos de ajuda mútua dos Alcoólicos Anónimos - "É a primeira bebida que faz ficar bêbado".

Comentário: a adicção é uma doença do cérebro, progressiva e cronica, não é um sintoma de outra doença ou patologia, eis alguns sintomas:
  • Tolerância: necessidade de consumo de quantidades crescentes de substâncias para atingir a intoxicação ou o efeito desejado.
  • Síndrome da abstinência, vulgo ressaca: a substância psicoativa, vulgo droga de escolha ou outra, é consumida para aliviar ou evitar os sintomas desagradáveis e dolorosos da ressaca.
  • Perda do controlo: substância é frequentemente consumida por períodos mais longos do aquele que se pretende. O consumo é continuado apesar da existência de um problema persistente ou recorrente, provavelmente causado ou exacerbado pelo abuso da substância.
  • Incapacidade, apesar do desejo ou esforços persistentes, para diminuir ou controlar o abuso da substância. Qualquer atividade é abandonada ou diminuída em importantes atividades sociais, ocupacionais ou educativas.
  • Preocupação (Atenção): São despendidas grandes quantidades de tempo em atividades necessárias à aquisição, utilização e os seus efeitos. A doença é o assunto nº 1 na vida do individuo, as suas prioridades são: como obter a substância, o consumir e manter o efeito da substancia, no organismo, o mais prolongado possível e a gestão do stock.
Apesar deste texto se referir às substâncias psicoativas, um numero considerável de indivíduos com comportamentos adictivos, tais como o jogo, o sexo, furto, as compras, distúrbio alimentar apresentam algumas semelhanças no sistema de recompensa cujos comportamentos também comprometem o funcionamento normal do cérebro. 
Por exemplo, ao longo da minha experiencia profissional, observei indivíduos com comportamentos adictivos, em tratamento regime de internamento, por exemplo ao jogo e ao sexo, ao interromperem a atividade adictiva desenvolverem um conjunto de sintomas, físicos e psicológicos, associados e idênticos ao síndrome da abstinência, vulgo ressaca, também observado em indivíduos adictos a substâncias psicoativas, vulgo drogas.

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