sábado, dezembro 29, 2012

É um deslize ou é uma recaída?


De acordo com a abordagem terapêutica às dependências de substâncias psicoativas lícitas, vulgo drogas, incluindo o álcool, e as ilícitas, o tratamento deve contemplar a abstinência. É possível, para um individuo adicto ter um estilo de vida perfeitamente saudável abstinente de qualquer tipo de substâncias psicoativas lícitas, incluindo o álcool, e/ou ilícitas, só com uma única exceção, salvo medicação sujeita a prescrição medica, acompanhamento profissional e responsabilidade do doente em seguir o plano de tratamento e a sua recuperação.

Círculo da adicção: A doença da adicção é influenciada por um conjunto complexo de fatores (neuro-biológicos-psico-sociais), não é um vício (designação moral), falta de força de vontade e/ou característica da personalidade e/ou um ato voluntario. Após décadas de investigação sobre a doença da adicção, não existe no mundo, um programa que garanta a prevenção da recaída, o tratamento ou a recuperação de uma forma totalmente eficaz.
 Para todos os efeitos, a recaída ou o deslize, consiste na quebra da regra/princípio relativamente à abstinência. Ao contrário do que muita gente pensa, a recaída e/ou o deslize, não é um episódio isolado e na maioria dos casos não acontecem por acaso, é uma sucessão de acontecimentos críticos, conjunto de atitudes e comportamentos, que culminam com a ingestão do consumo de substâncias psicoactivas. Processo de recaída: começa em A - atitudes e comportamentos que conduzem o individuo a B – um episódio; ingestão/consumo da substância psicoativa.
Eis algumas perspectiva, de acordo com a minha experiencia profissional, sobre o que é recaída e o significado de deslize.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize?
Recaída é:
O individuo perde o controlo do seu comportamento após a ingestão de substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, e/ou lícitas; acontece quando é despoletada a compulsão pelo efeito da substância (sensação associada ao prazer). Este tipo de abuso de drogas visa somente a intoxicação e a alienação da realidade. Esta reação complexa, não se pode confundir com o controlo ou a falta dele. Não é o adicto que escolhe perder o controlo e/ou ser adito. Este mecanismo é uma reação da adicção após a ingestão das substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool, e/ou ilícitas, isto é, a ingestão da substancia afeta e compromete a forma como o individuo pensa, sente e age. Alguns indivíduos estão mais vulneráveis do que outros a este fenómeno.
No caso da recaída, após a compulsão ser despoletada, pelo efeito das substâncias psicoactivas, o adicto é incapaz de prever as consequências do seu comportamento (família, saúde, trabalho, justiça, dinheiro), nos dias, semanas ou meses seguintes, onde podemos incluir a recusa de ajuda de pessoas significativas a fim de retomar a abstinência.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize?
Recaída é:
Quando o individuo compreende, reconhece e aceita o conceito de doença (Adicção) e supostamente afirma "Sou um adicto em recuperação, preciso de me responsabilizar pela abstinência, pelo tratamento e recuperação da adicção através das minhas atitudes, comportamentos e caso seja necessário apoio profissional." A fim de um individuo atingir este grau de conhecimento sobre a sua condição (Adicção) são necessários, aproximadamente seis a doze meses, dependendo da motivação para a mudança, do estado clinico do individuo e danos colaterais provocados pela dependência das drogas. Para compreender a adicção, o individuo deve estar abstinente de substâncias psicoactivas, há pelo menos um ano ou mais, por exemplo cinco anos. 
Recaída significa quando o individuo, apos o consumo repetitivo, identifica o síndrome da abstinência, vulgo ressaca e necessita de apoio profissional para interromper a progressão da doença.
Podemos exemplificar através de outra doença cronica. Tal como acontece ao individuo diabético, após sintomas, sinais e exames médicos é-lhe diagnosticado diabetes. É informado sobre a doença, os cuidados, o estilo de vida saudável a fim de manter a doença estável e um estilo de vida saudavel, todavia, o doente decide o contrário, ignora e negligencia o tratamento, agravando o quadro clinico, a este comportamento também podemos considerar uma recaída.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize?
Deslize é:
Após um período longo de abstinência, mais de doze meses, o individuo consome substâncias psicoactivas, durante um curto período de tempo (frequência e duração), após este episódio de consumo, consegue retomar a abstinência. Neste caso, podemos considerar que a compulsão não foi despoletada. O individuo conseguiu apoiar-se e fazer uso das suas competências cognitivas (auto critica, sentido de auto eficácia, gestão das emoções – vergonha, culpa, medo, frustração) e recursos (procurou ajuda e fim de interromper a ingestão das drogas). Mais uma vez, como a compulsão não foi despoletada, o deslize, tal como a recaída, não se pode confundir com o controlo ou a falta dele.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize?
Deslize é: 

Quando o individuo não compreende e ou reconhece o conceito de doença (Adicção). Por exemplo, indivíduos resistentes à mudança de atitudes e comportamentos, que permanecem abstinentes durante um curto período de tempo (ex. menos de 6 meses), mas depois retomam os consumos e depois a abstinência.
Qual é a diferença entre a recaída e deslize?
Quando pensarmos recaída e ou deslize é preciso de avaliar a história (passado/presente) de vida dessa pessoa (o seu mundo).
Você sabia que a depressão e/ou a ansiedade e a adicção (co-morbilidade) podem afectar e comprometer as competências cognitivas individuais e sociais necessárias à manutenção da abstinência? Este individuo está mais exposto ao deslize e ou à recaída. Importante: Cada caso, um caso.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize?
Não podemos determinar, segundo valores morais, vulgo vicio, o que é a adicção. O que é que  significa recaída e ou deslize? Felizmente, hoje em dia, a medicina da adicção permite-nos entender melhor este fenómeno do ponto de vista neuro-biologico, psicológico e social. Faz parte do processo do tratamento da doença, da ocorrência de deslizes e/ou recaídas e recuperação. É normal, existem algumas pessoas vulneráveis e expostas à adicção, à recaída e/ou ao deslize, se for o seu caso, peça imediatamente ajuda, não se esconda atrás do silêncio da negação e ou da vergonha. Você não escolheu ser adicto/a.
 Algumas pessoas conseguem permanecer abstinentes de substâncias, durante longos períodos de tempo abstinentes, por exemplo 20, 30, 40 anos e graças a elas podemos aprender com a sua experiência, todavia, a escolha do estilo de vida em recuperação depende da decisão de cada um.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize. 
Conceito de doença da adicção (tradução). Segundo a Sociedade Americana da Medicina da Adicção a adicção é uma doença primária, crónica que interfere e afecta o sistema/estrutura do cérebro responsável pelo prazer, pela motivação e memoria e os circuitos neuronais adjacentes. Sabe-se que uma alteração e disfunção destes circuitos neuronais conduzem ao aparecimento de sintomas a nível biológico, psicológico, social e espiritual no indivíduo, que se refletem na busca e recompensa patológica do prazer e alivio, através do consumo de substâncias psicoactivas (lícitas e/ou ilícitas) e/ou outros comportamentos (exemplo, jogo). Por outras palavras, a Adicção funciona como uma “almofada” perante determinadas situações e adversidades ao longo da vida do indivíduo. A adicção não é um sintoma de outro tipo de patologia.

Qual é a diferença entre a recaída e deslize? 
Antes de respondermos a esta pergunta é preciso entender e aprofundar o conhecimento sobre o conceito de doença e de recuperação (ciência e experiencia empírica).  É um esforço conjunto entre indivíduos adictos em recuperação, suas famílias e profissionais, e da sociedade em geral.
De acordo com a American Society of Addiction Medicine a adicção é uma doença.
Apesar do consumo de drogas ser um ato voluntário, ninguém escolhe ficar adicto. Apesar das substancias psicoactivas serem adictivas, geradoras de dependência física e/ou psicológica, porque é que umas pessoas consomem drogas/álcool e se tornam adictas e outras pessoas não? Siga o link
http://www.asam.org/research-treatment/definition-of-addiction
Visto a adicção ser uma doença cronica, progressiva e complexa no seu tratamento, qual é a motivação para o individuo recuperar da adicção? Como é que se ajuda um individuo adicto, dependente de drogas, incluindo o álcool, que recusa ajuda? Pela complexidade da adicção, o individuo e a sua família precisam de ajuda profissional.

Recuperação da adicção é um estilo de vida gerador de escolhas saudáveis (nível físico, mental e espiritual, sem dogmas e/ou divindades) integradoras e coerentes com os valores da família, da comunidade e da sociedade. Recuperação da adicção contempla a abstinência onde não existem consequências diretas dos comportamentos associados ao consumo, abuso e dependência de quaisquer substâncias psicoativas.
Se você se considera um adicto a drogas lícitas, incluindo o álcool, e as ilícitas qual é o seu conceito de recuperação? Gostaria de contar com a sua participação para o debate sobre esta questão.

quinta-feira, dezembro 20, 2012

O cérebro adicto



Este excerto faz parte de um artigo impresso pela primeira vez na Harvard Mental Health Letter , edição de Julho de 2004.

As dependência de drogas têm sido um problema persistente ao longo de centenas de anos, mas somente na ultima década, os cientistas compreenderam claramente alguns fatores importantes sobre a adicção: sabemos que provoca mudanças duradouras nas funções cerebrais que são difíceis de reverter. Na prática, isso significa que existem muitos cérebros afetados, quase 2 milhões de indivíduos dependentes de heroína e em cocaína, talvez 15 milhões de alcoólicos, e dezenas de milhões de fumadores de cigarros nos Estados Unidos. Qualquer que seja a solução à vista, será sempre extremamente complexa, entretanto sabemos muito mais hoje, do que há 20 ou mesmo 5 anos atrás, sobre os efeitos das substâncias psicoativas, vulgo drogas, geradoras de dependência no cérebro, assim como também podemos utilizar este conhecimento no tratamento e na prevenção.

“Porque é que o cérebro prefere o ópio aos brócolos?” A dependência foi designada desta forma por Steven Hyman, um ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental. A resposta envolve o núcleo accumbens, um agrupamento de células nervosas que se encontram abaixo dos hemisférios cerebrais. Quando um ser humano ou outro animal executa uma ação que satisfaz uma necessidade ou cumpre um desejo, o neurotransmissor chamado dopamina é libertado no núcleo accumbens e produz prazer. Serve como um sinal de ação para com o mecanismo da sobrevivência ou a reprodução, seja direta ou indiretamente. Este sistema é designado de via de recompensa. Quando fazemos algo que oferece essa recompensa, o cérebro regista essa experiência e estamos propensos a repeti-la novamente. Todavia, quaisquer danos nesta zona do cérebro e o abuso de drogas, que liberta dopamina, acabam por comprometer o funcionamento normal desta estrutura cerebral.
Na natureza as recompensas surgem após algum esforço e o seu efeito não é imediato, todavia, com as drogas as pessoas descobrem um atalho, sentem gratificação e prazer sem esforço e o seu feito é imediato. Isto é, o cérebro produz quantidades anormais de dopamina. Neste âmbito, o prazer não está a ser usado para a sobrevivência nem para a reprodução, por isso, a evolução não forneceu ao cérebro uma forma de se proteger. Assim a capacidade natural para produzir dopamina (sistema de recompensa no cérebro) é reduzida e a única forma de o cérebro cumprir as suas funções de libertação de dopamina é somente através do consumo de mais droga. O cérebro vai perdendo as suas funções e recursos a fontes de prazer menos imediatas e mais poderosas de recompensa. O dependente vai necessitando de doses mais elevadas e frequentes para obter a mesma sensação de prazer e bem-estar. Por vezes, a motivação do dependente para consumir drogas pode ser reduzida e/ou as drogas consumidas já não proporcionarem o prazer desejado, no entanto, a estrutura do cérebro responsável pelo prazer exige que sejam elas consumidas.

Memórias convincentes
As mudanças no sistema de recompensa por si só não podem explicar o fenómeno da adicção. Tal como afirmou, Mark Twain sobre o seu hábito de fumar, “Parar de fumar é fácil.”. Ele tinha feito inúmeras tentativas para interromper o consumo de tabaco. Muitos dependentes passam longos períodos de tempo sem consumir a sua droga de escolha, mas correm o risco de recaída, mesmo após anos de abstinência, mesmo quando o circuito de recompensa de dopamina teve tempo de suficiente para recuperar. Estas pessoas são vítimas de estímulos, designadas de reflexo condicionado.

Alterações nas ligações entre as células cerebrais induzidas por drogas estabelecem associações entre a experiência com a droga e as circunstâncias em estas que ocorrem. Estas memórias implícitas podem ser vividas/recordadas intensamente quando os dependentes estão expostos a qualquer lembrança sobre essas situações, tais como; estado de humor, situações, pessoas, lugares ou a própria substância. Um dependente de heroína pode estar em perigo de recaída quando vê uma agulha hipodérmica, um alcoólico quando se cruza com o bar/café onde ele costumava beber ou quando encontra um individuo que foi seu companheiro de bebida. Qualquer adicto pode retomar o hábito ou o estado de humor que ele utilizou para voltar a consumir drogas, seja através de um deslize ou de uma recaída. Ele nunca irá desaprender este comportamento. Uma única dose pequena da droga, em si, pode despoletar uma das recordações mais intensas. Tal como se diz nos grupos de ajuda mútua dos Alcoólicos Anónimos - "É a primeira bebida que faz ficar bêbado".

Comentário: a adicção é uma doença do cérebro, progressiva e cronica, não é um sintoma de outra doença ou patologia, eis alguns sintomas:
  • Tolerância: necessidade de consumo de quantidades crescentes de substâncias para atingir a intoxicação ou o efeito desejado.
  • Síndrome da abstinência, vulgo ressaca: a substância psicoativa, vulgo droga de escolha ou outra, é consumida para aliviar ou evitar os sintomas desagradáveis e dolorosos da ressaca.
  • Perda do controlo: substância é frequentemente consumida por períodos mais longos do aquele que se pretende. O consumo é continuado apesar da existência de um problema persistente ou recorrente, provavelmente causado ou exacerbado pelo abuso da substância.
  • Incapacidade, apesar do desejo ou esforços persistentes, para diminuir ou controlar o abuso da substância. Qualquer atividade é abandonada ou diminuída em importantes atividades sociais, ocupacionais ou educativas.
  • Preocupação (Atenção): São despendidas grandes quantidades de tempo em atividades necessárias à aquisição, utilização e os seus efeitos. A doença é o assunto nº 1 na vida do individuo, as suas prioridades são: como obter a substância, o consumir e manter o efeito da substancia, no organismo, o mais prolongado possível e a gestão do stock.
Apesar deste texto se referir às substâncias psicoativas, um numero considerável de indivíduos com comportamentos adictivos, tais como o jogo, o sexo, furto, as compras, distúrbio alimentar apresentam algumas semelhanças no sistema de recompensa cujos comportamentos também comprometem o funcionamento normal do cérebro. 
Por exemplo, ao longo da minha experiencia profissional, observei indivíduos com comportamentos adictivos, em tratamento regime de internamento, por exemplo ao jogo e ao sexo, ao interromperem a atividade adictiva desenvolverem um conjunto de sintomas, físicos e psicológicos, associados e idênticos ao síndrome da abstinência, vulgo ressaca, também observado em indivíduos adictos a substâncias psicoativas, vulgo drogas.

sexta-feira, dezembro 14, 2012

Algumas curiosidades sobre o Modelo Minnesota (MM)



Durante a minha formação profissional tive o privilégio de estar presente numa das instituições mais reputadas do mundo, sobre o tratamento das dependências de substâncias psicoativas, vulgo drogas, incluindo o álcool, refiro-me obviamente a Hazelden Foundation.

Nesse sentido, decidi escrever este post de forma a revelar algumas das características do Modelo Minnesota; a sua génese, a filosofia e a sua história. Para os menos informados este modelo de tratamento é aplicado num regime de internamento residencial tratamento cuja duração é de 90 dias, aproximadamente.
Aproveito para enaltecer a dedicação e o compromisso de algumas pessoas genais  e visionários, durante o final dos anos 40, nos EUA, que dedicaram uma parte considerável das suas vidas a ajudar indivíduos a recuperar a sua dignidade e a recuperação da adicção. Lutando contra o estigma, a negação e a vergonha associados a esta doença.

Com este post não pretendo fazer uma abordagem completa e exaustiva deste modelo de tratamento, apenar pretendo salientar e revelar alguns detalhes sobre a sua historia e pessoas.
Para pensarmos no tratamento do alcoolismo e a génese do modelo Minesota precisamos de recuar até ao final dos anos 40, marcado pelo período pós-guerra (II grande guerra mundial), a segregação social, o tratamento do alcoolismo com uma forte vertente religiosa (evangelização) os asilos para doentes mentais e cadeias. Nesta altura ainda não existia o DSM, Manual de Diagnostico de Doenças Mentais, que só surgiu em 1952, nos EUA.

Modelo Minnesota “Uma abordagem evolucionária e multidisciplinar na Recuperação da Adicção.”  Jerry Spicer, Presidente Hazelden Foundation, Minnesota, EUA (1949 a 2011)

Génese – Instituições envolvidas (Minnesota Model)
1948 - Pioneer House (filosofia do tratamento dos Alcoolicos Anonimos, AA) era designado, na altura, como um clube/associação, onde surge o primeiro membro de AA e a primeira figura do Addiction Counselor (1949) como profissão, em colaboração com o Serviço de Saúde Publica de Minneapolis, EUA
1949 - Hazelden (filosofia do tratamento do AA)
1950 - Hospital State Wilmar – departamento de psiquiatria (equipa de profissionais cuja abordagem ao tratamento foi inovadora contando também com introdução da filosofia do AA).

Tratamento Residencial em Regime de Internamento
       Consiste no processo que inicia quando indivíduo contacta um serviço (Instituição) com vista a uma sucessão de intervenções específicas até se atingir o nível de bem-estar – Avaliação, Admissão, Diagnostico, Plano de Tratamento personalizado e Recuperação duradoura.
       Reduzir ou eliminar problemas associados às substâncias psicoativas lícitas e/ou ilícitas, incluindo o alcool.
       Reabilitação dos problemas relacionados com as substâncias (diagnostico, assistência, aconselhamento, participação da família, saúde e integração social).

Ligação entre Tratamento do Alcoolismo, o AA e o Modelo Minnesota
       Número significativo de indivíduos que atingiram a sobriedade através do AA, nos EUA, a visibilidade pública, por exemplo através dos meios de comunicação social e algumas estrelas de cinema, músicos famosos, senadores, políticos em recuperação a assumirem publicamente a preferência pela filosofia do programa de 12 Passos.
       Em 1935/existiam 100 Membros do AA, em 1942/800 membros.
       Pessoas genais e visionárias envolvidas no tratamento do alcoolismo – Mel Rosen, Nelson Bradley, Daniel Anderson, Rev John Keller , o filantropo John Rockefeller Junior e a família Butler.

Filosofia do Tratamento MM - anos 50
       Alcoolismo: doença progressiva e crónica. Multidimensional: física, psicológica, social e espiritual.
       Alcoolismo: doença crónica e primária; não é um sintoma de outra doença subjacente vs. Tratar da personalidade do alcoólico.
       A presença ou a ausência da motivação, no início do tratamento, não tem influência no resultado final.
       O sucesso do tratamento exige uma atmosfera na qual o alcoólico/adicto seja tratado com dignidade e respeito.
       Os alcoólicos/adictos são vulneráveis ao amplo espectro das mais variadas substâncias psicoactivas. O fenómeno, Dependência de Substâncias, deve ser abordado em tratamento.
       A abordagem à dependência de substâncias terá mais sucesso se a equipa de profissionais desenvolver um tipo de relacionamento menos formal, mais “intimo” com os pacientes, cujas atividades estão integradas num plano individualizado de tratamento desenvolvido para cada paciente.
       Para a execução do plano de tratamento designa-se um conselheiro – figura do gestor do caso.
       Durante o tratamento inclui a participação nos AA (reuniões), trabalhar os Passos, terapia de grupo que combine a confrontação e o apoio, palestras, sessões individuais de aconselhamento e um ambiente dinâmico (cultura - Milieu) de responsabilização e aprendizagem.
       O AA é a estrutura mais viável após o internamento (follow up) para a Recuperação duroura/Sobriedade.

Minnesota Model-  “Milieu” profissional 
       Abordagem Holística – Poder da experiência espiritual para a Recuperação através dos grupos de ajuda mutua A.A. assume um papel preponderante na abordagem. “Se o outro consegue eu também consigo”
       Etiologia da doença vs. Programa de Recuperação “Onde não arranha, não se coça” Daniel Anderson . Mais importante que a causa, os objetivos de recuperação (12 Passos) são uma prioridade, através da motivação para a mudança de comportamentos.
       Equipa Multidisciplinar - Abordagem multidimensional à doença (medicina, psicologia, clero e addiction counselors).
       Adictos em Recuperação (Addiction Counselors, 1954) Nova designação profissional.
       “O Alcoolismo requer dois tipos de conhecimento: cientifico e experiencia. Existem dois tipos de escolhas disponíveis - Dinâmica Integradora vs. Polarização Auto Destrutiva .” Daniel Anderson. Fusão da ciência, da teoria e da componente empírica.

Difusão do Modelo Minnesota nos EUA, desde os anos 60.
       Alcoólicos Anónimos e Narcóticos Anónimos
       Conferências e cursos profissionais nas Universidades de Yale e Rutgers (1960/1990)
       Campanhas nacionais através do Conselho Nacional Alcoolismo, (NCA). Marty Mann, co fundadora do NCA, foi a primeira mulher, pertencente ao AA, a permanecer em recuperação durante um longo período de tempo.
       Estágios e Formação profissional, em Hazelden.
       Ex colaboradores do Hospital de Wilmar State.
       Project Match , 1989 – Estudo (5 anos), que contemplou e aprofundou a eficácia e vantagens “emparelhamento” da Terapia Cognitiva-Comportamental, da Twelve Step Facilitation (oriunda do MM) e Motivational Enhancement Therapy no tratamento do alcoolismo.
       Na Europa - Broadway Lodge, Inglaterra, 1974 (Dr. James Ditzler and Joyce Ditzler)

Modelo de Tratamento (Internamento)
       Dependentes de substâncias, incluindo o álcool.
       Conceito de doença
       Duração da primeira fase de tratamento 60/90 dias. Caso se prolongue o tratamento o paciente deve mudar de setting terapêutico.
       Abstinência de Substâncias psicoativas
       Educação s/ Alcoolismo – Sintomas físicos e psicológicos. Ambiente livre de drogas
       Palestras e Terapia de Grupo (dinâmicas).
       Envolvimento no AA (Espiritualidade).
       Aftercare – Pós tratamento.

Génese em Portugal
       Alcoolicos Anónimos, Alcoolicos Anónimos1978
       Narcoticos Anónimos  Narcóticos Anónimos, 1985
       Portugal, Lisboa (projeto piloto) – Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA, 1985) no Serviço de Psiquiatria do Hospital da Marinha
       Era - Empatia, Recuperação e Apoio (1990) através do Dr. Margalho Carrilho, Joana Faria e Cristina Mello
       Fundação Frei Manuel Pinto da Fonseca (Centro Tratamento São Fiel, 1992/2004), em Castelo Branco. Ao longo da sua existência apoiou mais de 3.000 pacientes. Instituição pioneira nos programas de apoio aos familiares dos seus pacientes, formação continua e supervisão dos seus colaboradores/profissionais.

Apesar do Modelo Minnesota ser uma das referencias mundiais no tratamento das dependências, incluindo o alcoolismo, e do qual eu comprovo a sua validade, não pretendo ser dogmático, porque pela minha experiencia, algumas pessoas não se adaptam à sua filosofia. Nesse sentido, cada um é livre em escolher o melhor tratamento e os melhores profissionais que o/a possam ajudar na interrupção da progressão ativa da doença da adicção; doença cronica, progressiva e caso não seja interrompida poder ser fatal. Estamos perante uma doença complexa.

Mais recentemente, durante o final dos anos 80, surgiu outra denominação, oriunda do Modelo Minnesota, designada de Twelve Step Facilitation. Esta designação é utilizada no Project Match
Depois de colaborar com varias instituições, gostaria de acrescentar que o Modelo Minnesota em Portugal, apesar de existir desde 1985, ainda está numa fase embrionária e a necessitar de uma atualização urgente, ao nível da formação profissional, plano de tratamento, respeito pelos seus pacientes e familiares, equipas de profissionais multidisciplinares dedicados e comprometidos pelas suas carreiras, supervisão e código de ética, criação de uma associação nacional que zele pelos interesses e características do modelo em si, partilha de experiencias entre profissionais por exemplo através de congressos, redes sociais, etc. Apelo aos profissionais e instituições que utilizem o MM que invista mais na colaboração, cooperação e partilha de conhecimento, no final, os nossos pacientes, as suas famílias e a comunidade vão beneficiar muito mais, abram as portas ao conhecimento e à excelência, é um investimento de inestimável valor.

Também gostaria de informar que o Modelo Minnesota não tem qualquer ligação institucional ou profissional com os grupos de ajuda mútua dos 12 Passos, por exemplo Alcoólicos Anónimos, Narcóticos Anónimos, Jogadores Anónimos. Por exemplo, oiço com muita frequência pessoas a afirmar que “O centro onde o meu filho está internado é dos Narcóticos Anónimos”, isso é falso. De acordo com estes grupos de ajuda-mutua os seus membros não são profissionais, não possuem instalações para internamento ou não existe a figura do profissional que faz terapias/consultas. Estes indivíduos ajudam-se uns aos outros recorrendo á sua experiencia e partilha pessoal através do programa dos 12 Passos, a participação de qualquer individuo, nos grupos de ajuda mutua, é voluntaria e livre de qualquer cota ou pagamento. Consulte mais nas tradições de Alcoólicos Anónimos ou Narcóticos Anónimos. Caso tenha alguma duvida envie a sua questão para xx.joao@gmail.com

Referências bibliográficas:
  • “Slaying the Dragon – The History of Addiction Treatment and Recovery in America” – William White, 1998, 4ª Edição. A Chestnut Health Systems Publication
  • “The Evolution of the Multidisciplinary Approach to Addiction Recovery – The Minnesota Model” – Jerry Spicer, 1993. Hazelden Foundation
  • “Hazelden – A Spiritual Odyssey” Damien McElrath, Ph D. Hazelden Foundation
  •  "Project Match – Monograph Series” National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA), 1989






segunda-feira, novembro 12, 2012

Despertar espiritual; um passo para a recuperação dos comportamentos adictivos



Doze Sintomas sobre o despertar espiritual. (tradução)
1. Aptidão para deixar que as coisas aconteçam, em vez de fazer com que elas aconteçam; largar o controlo.
2. Ataques de riso frequentes.
3. Sentimentos de ligação (conexão) com as outras pessoas e a com a natureza.
4. Episódios frequentes e necessários de estima.
5. Propensão para pensar e agir da uma forma espontânea em vez de agir com base no medo das experiencias do passado.
6. Aptidão inequívoca de usufruir cada momento.
7. Desprendimento na tendência para ficar preocupado.
8. Desprendimento no interesse de entrar em conflito.
9. Perda de interesse em interpretar o comportamento dos outros.
10. Perda de interesse em julgar ou criticar os outros.
11. Perda de interesse na auto critica negativa.
12. Extrair proveito da aptidão para amar sem esperar nada em troca.

Fonte: http://recoverytradepublications.com 

Comentário: O que é que significa despertar?
De acordo com o dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, é
“Tirar do sono; acordar; estimular; ativar; dar origem a; avivar o espirito”

Na minha opinião o despertar espiritual, está intrinsecamente relacionado com a recuperação dos comportamentos aditivos. Isto não quer dizer que o despertar espiritual seja uma experiencia que ocorra em todos os aditos/aditas e/ou que seja uma condição para o individuo iniciar a sua recuperação. Não, todavia, algumas pessoas afirmam passar por esta experiencia poderosa e profunda quando fazem a transição entre a adicção ativa e a abstinência/recuperação – Mudança. A mudança de atitudes e comportamentos proporciona uma determinada experiencia, ao individuo, referida como despertar, que o afeta nível espiritual.

Um numero considerável de pessoas que experimentam a perda total do controlo da sua vida, como consequência da adicção activa, isto é, perdem a capacidade de antecipar e prever o resultado final dos seus comportamentos e/ou objetivos é uma experiencia aterrorizadora e traumática, agravada pela consciência plena do desastre e do caos eminente. Durante a adicção ativa, estas pessoas perdem a capacidade de sonhar, perdem a capacidade de comunicar com as pessoas que amam, perdem a capacidade de desempenhar as suas competências no trabalho, vivem vidas duplas de ilusão, negação e sofrimento, da qual a busca sistemática do alívio está confinado ao prazer imediato, refiro-me às substancias psicoactivas e/ou comportamentos adictivos (jogo, sexo, distúrbio alimentar, dependência emocional, compras e furto). Quando surge a oportunidade de interromper a progressão da doença (adicção) e do sofrimento, através da consciência das coisas que foram vivenciadas durante a experiencia passada e dolorosa, o despertar espiritual, eleva o potencial humano, numa situação idêntica á sobrevivência, a atingir objetivos que o individuo julgava não ser possível concretizar; desperta, acorda, reconhecendo que a verdadeira mudança está em si mesmo, clarividente do renascer, e voltar a viver, através dos paradoxos e da mudança de paradigmas disfuncionais, a fim de ser tornar uma pessoa melhor.

Gostaria de referir que a palavra espiritual, não expressa uma conotação religiosa pré determinada, não possui dogmas e/ou divindades. Espiritualidade é um conceito único e livre, dependendo das crenças e experiencias de cada individuo, é um sentimento de ligação com uma força superior imaterial com quem o individuo comunica potenciado através da qualidade dos relacionamentos com as outras pessoas (conexão – valores).
Você está em recuperação dos comportamentos adictivos e passou por um despertar espiritual? Envie a sua experiencia para xx.joao@gmail.com Partilhe a sua história, connosco. Bem-haja

sábado, outubro 13, 2012

Léxico de recuperação - Comunicação

Comportamentos Adictivos - 2012
Abecedário da Recuperação faz parte do léxico que define um estilo de vida com qualidade. Recuperar é que está a dar.

  • Abstinência
  • Brincadeira
  • Confiança - perseverança e coragem apesar do medo.
  • Dia a dia 
  • Esperança - é o equilíbrio quando surge o medo do desconhecido.
  • Fé - é o sentimento de ligação com uma força superior imaterial com quem comunicamos.
  • Gratidão - fazer o bem e o melhor possível; reconhecimento e reciprocidade.
  • Hoje – O dia mais importante
  • Inventário pessoal - aspetos positivos e os aspetos negativos
  • Jubilo - conquista, felicidade e despertar espiritual, não religioso.
  • Liberdade de escolha e decisão
  • Mestria - competências individuais e sociais (talentos)
  • Não - dizer não é liberdade, é assertividade. Em recuperação aprende-se a dizer não.
  • Oração - contacto consciente com poder superior imaterial
  • Partilhar é receber
  • Querer - Fazer o melhor possível e entregar o resultado.
  • Relações significativas de intimidade e de confiança; limites saudáveis.
  • Sentir as emoções, seja elas quais forem, prazerosas ou as dolorosas. adoptar comportamentos geradores de qualidade de vida (Saúde, família, trabalho, amigos)
  • Trabalho; produzir, criar. Desenvolver a autonomia e a independência
  • Um dia de cada vez
  • Viver de acordo com valores morais universais e espirituais únicos e livres, sem dogmas ou divindades
Comentário: Caso você esteja interessado/a em participar poderá acrescentar mais palavras ao léxico de recuperação comentando este post. Participe.

sexta-feira, setembro 21, 2012

A perspectiva das crianças perante o problema do álcool nos pais




Algumas organizações não-governamentais e agências governamentais, neste caso específico, na Finlândia, decidiram alertar a opinião publica e ajudar a mudar atitudes e comportamentos em relação ao abuso do álcool dos pais e os efeitos nos filhos. Em Portugal somos uma cultura que bebe e reforça o abuso do álcool, entre adultos e jovens menores de idade. O alerta publica na Finlândia também se aplica ao nosso país. 


A perspectiva assustadora das crianças perante o problema do álcool nos pais. As maiorias das crianças, de famílias afectadas pelo abuso do álcool e/ou do alcoolismo, são negligenciadas ao longo da progressão da doença. Algumas destas crianças, quando adultas carregam os traumas, para o resto das suas vidas: o alcoolismo passa de geração em geração.

quinta-feira, setembro 20, 2012

As referências, não se aplicam só a alguns, servem para todos.


Tradução: “ A melhor maneira para ter sucesso e crescer na minha própria sobriedade, é fazer exatamente aquilo que aconselho aos outros para eles fazerem.”

Fonte: National Catholic Council on Addictions (NCCA)

Comentário: Contrariando assim a “velha” e desatualizada máxima: “Não olhes para aquilo que eu faço; mas faz aquilo que te digo”
Visto esta citação surgir de uma organização católica americana que apoia a recuperação da adicção, isso não representa qualquer afiliação ou crença religiosa, da parte do autor do blogue.  
A publicação desta citação, no blogue, é simplesmente uma dica que não se aplica somente à recuperação da adicção, como também podemos redireciona-la a uma dimensão existencial.
O segundo propósito desta citação, neste blogue, serve também para reforçar a necessidade de haver um entendimento e um compromisso, plataforma de entendimento, entre religiões, investigadores (ciência), profissionais e instituições, num objetivo comum: recuperar pessoas, famílias incluindo as crianças e a própria sociedade afetada pelas consequências negativas da adicção, contra o estigma, a negação e a vergonha - Recuperar É Que Está A Dar

domingo, setembro 02, 2012

19ª Dica Arte Bem-Viver de 31/07/2011



Olá,

Sabe qual é o significado a palavra Ressentimento? Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa (6ª Edição) da Porto Editora, “Acto ou efeito de ressentir (sentir novamente) ou de ressentir-se; lembrança dolorosa de uma ofensa recebida; melindre; rancor.”

Segundo o psicanalista Alfred Adler “Atitude de hostilidade generalizada proveniente de uma situação inferiorizante que o individuo não pode remediar por uma revalorização.”

Identifica algum tipo de ressentimento na sua vida? Memorias? Se a resposta honesta for sim, isso é Ok. Não somos perfeitos. E agora?! Avance no tempo, e pense no seguinte:

Sabia que, na maioria dos casos, o seu ressentimento nunca magoa a pessoa contra quem você dirige o seu rancor, ódio ou aversão? Quando não conseguimos direccionar as nossas emoções dolorosas (raiva, ressentimento) para o alvo devido (especifico) acabamos por generalizar e embargar a verdadeira fonte do nosso descontentamento e frustração. Isto é, como o ressentimento assume uma atenção/preocupação excessiva e significativa, só se magoa a si mesmo e/ou algumas pessoas à sua volta; reinicia o “antigo” ciclo do ressentimento, repetitivo e gerador de dor, do passado. No presente, sente que é duplamente vitima e classifica isso como uma injustiça; ressentimento do passado, raiva no presente. O Ressentimento conduz à fúria, ao ódio e à hostilidade e em situações extremas à violência, dependendo dos níveis de atenção e intensidade que dispensa sobre esta questão.

Questões: Seja a mais honesto/a possível.
  • Na sua perspectiva, qual é o motivo pela qual ainda valoriza o ressentimento, do passado?

O seu ressentimento mantém-se actualizado, no presente? É de “estimação” ou considera-se uma “dupla vitima”? 

  • Quais as consequências negativas do Ressentimento? Como é que se magoa? Como é que magoa, as pessoas significativas, à sua volta?

Faça uma lista dos aspectos benéficos e negativos do ressentimento (presente), na sua vida, e avalie as suas conclusões. Também pode envolver, neste trabalho, uma pessoa significativa e disponivel , afim de aflorar ideias, ter perspectivas diferentes e quiçá receber feedback.

Se deseja ser o dono/a do “leme seu do barco” monitorize, actualize as suas atitudes (sentimentos) e comportamentos. As coisas têm o valor que nós próprios lhes proporcionamos. “Só ouvimos aquilo que nos interessa”
Siga o link:


Votos de uma semana feliz na Arte de Bem Viver
Cumprimentos


Comentário: Sabia que a Dica Arte de Bem-Viver começou com uma "brincadeira" para os amigos, em Abril de 2011? Passados 16 meses é enviada para mais de 350 pessoas e vários países de expressão portuguesa (Portugal, Angola, Moçambique e Brasil) e para os Estados Unidos da América. À data deste post vai na sua 76ª publicação. Caso deseje receber a Dica basta enviar um email para joaoalexx@sapo.pt. No assunto da mensagem escreva: Dica Arte Bem-Viver. Todos os dados são confidenciais. É grátis

quinta-feira, agosto 16, 2012

A resiliência é espiritualidade em acção



Características da Resiliência *(tradução)
  • Locus de controlo interno
  • Auto estima elevada e sentido apurado de auto eficácia
  • Objectivos pessoais definidos e específicos
  • Propósito e sentido no rumo da Vida
  • Aproveitar experiência de sucesso do passado e converte nos desafios do presente
  • Canaliza a energia do stress para desafiar/reforçar as competências individuais e sociais
  • Utilização do humor, da paciência, da tolerância e otimismo
  • Capacidade de adaptação à mudança
  • Abordagem dos problemas orientada para a acção. Ex. Focado nas soluções em vez dos problemas
  • Relacionamentos significativos e capacidade em pedir ajuda.

·         Fonte: Connor, KM (2006) Assessment of Resilience in the Aftermath of Trauma. J. Clin. of Psychiatry

Comentário: O conceito de resiliência foi introduzido e explorado, há 50 anos, por duas psicólogas (Emmy Werner e Ruth Smith) especializadas no trabalho infantil, todavia só mais tarde a resiliência foi adotada aos comportamentos do ser humano, antes era um conceito utilizado na Física.
Apesar de a Resiliência, na psicologia, ser um termo recente e em estado embrionário, em Portugal, todavia, já é estudado em vários países, nomeadamente nos EUA, há mais de vinte anos. Por cá, estamos a dar os primeiros passos, tímidos.
Para todos os efeitos, a adicção é uma doença involuntária, primaria, cronica e progressiva, que afecta e compromete todas as áreas da vida do individuo (individual, saúde, familiar, profissional: desta forma o individuo, e aqueles com quem ele/ela se relacionam, estão sujeitos a situações traumáticas, e em alguns casos trágicas.  
Se você está em recuperação, identifica, em si, alguns dos itens acima apresentados? Alguns indivíduos conseguem permanecer longos períodos em abstinência/recuperação, nesse sentido, estou em crer, que apesar do trauma da adicção activa do seu passado, eles/elas respondem à dor, à ansiedade, à depressão, à vergonha toxica e ao isolamento de uma forma criativa geradora de um estilo de vida com qualidade; fazem o seu melhor possível perante cada desafio; adaptam-se e reinventam-se. Conheço algumas pessoas que passaram por infâncias traumáticas e abusivas, mais tarde, desenvolveram comportamentos adictivos, têm todos os motivos, de acordo com paradigmas da nossa sociedade, para serem marginais e indivíduos problemáticos, todavia, após terem recebido ajuda profissional e interrompido a progressão (compulsividade) da adicção activa, hoje são indivíduos perfeitamente integrados na sociedade, membros de família e dignos. Devemos aprender com eles e uns com os outros. A resiliência é espiritualidade, não religioso, sem dogmas e divindades, em acção.



quinta-feira, agosto 09, 2012

quinta-feira, julho 26, 2012

O dia-a-dia nas consultas, na busca da recuperação e da dignidade


Tratamento dos comportamentos adictivos. Importante: Todos os dados pessoais foram alterados de forma a manter o anonimato dos seus intervenientes.

 Consulta com Cristina (nome fictício. Dependência emocional), abordamos a questão da intimidade nos relacionamentos românticos. Paixão, no início de um relacionamento, pode não ser sinonimo de intimidade e de compromisso, ao invés, pode ser sinónimo de sofrimento. Para algumas pessoas, intimidade é sinonimo de medo – medo do desconhecido, medo da rejeição e do compromisso, medo da exposição, medo do falhanço, medo do medo. A intimidade numa relação é semelhante a um contrato, celebrado por duas pessoas, onde ambas as partes se comprometem a preservar, a partilhar e a colher os seus benefícios, salvaguardando o bem-estar da relação. A intimidade é fruto do compromisso e da honestidade, de ambos os parceiros, faz parte de um processo com propósito e sentido em conjunto com o parceiro/a.

Consulta com Álvaro (nome fictício. Alcoolismo) falamos sobre a diferença entre a realidade e a ilusão. Quando ficamos iludidos (negação), através do alcoolismo, só conseguimos enxergar a realidade (verdade) após sofrimento e consequências negativas. O alcoolismo afecta seriamente todas as áreas da vida do individuo. Qual é o limite para a negação do alcoolismo? Não tem... “É só mais uma bebida, amanhã não bebo mais!”

Consulta com Maria (nome fictício. Distúrbio alimentar) falamos sobre sentimentos e os comportamentos. Podemos confundir os sentimentos, com aquilo que realmente é o nosso caracter; é necessário desvincular os sentimentos dos comportamentos. Não somos aquilo que sentimentos, mas aquilo que fazemos com os pensamentos e com os sentimentos.

Nas consultas abordamos com frequência, a questão da vida e da morte. Alguns indivíduos estiveram "perto" da morte, como consequência do sofrimento da adicção ativa (doenças, tentativa de suicídio, problemas de saúde e/ou overdose, acidentes). Quando se está doente da adicção ativa, as regras para se sobreviver são diferentes da maioria dos mortais. Paradoxo, tanto o sofrimento como o isolamento, aparentam ser uma “companhia” do dia-a-dia, uma segurança, mas no lado oposto, da mesma moeda, são um motivo suficientemente forte para questionar a razão de estar vivo. Em recuperação, é possível atenuar a dor/sofrimento através da ajuda de outras pessoas de confiança.

Consulta com Hilário (nome fictício. Adicto ao Jogo) identificamos pensamentos e crenças que mantêm o individuo fechado e isolado (vergonha tóxica). A forma como se defende do sofrimento, por ex. da vergonha e do sentimento de culpa, é atuar com base no prazer imediato, acting out, que reforça o isolamento, a vergonha toxica e o sentimento de inadequação. É um círculo de pensamentos, sentimentos e comportamentos disfuncionais quem mantêm o problema do jogo e o sofrimento; jogar para evitar o confronto com a realidade e a mudança de paradigmas.

quinta-feira, julho 05, 2012

Pedidos de ajuda que quebram o estigma, a negação e a vergonha IV


Pequenos excertos de pedidos de ajuda recebidos por email, posteriormente, foi uma enviada resposta para a cada situação em particular.
Se você identificar com alguma situação e ou comportamento em concreto pode escrever um email e solicitar apoio.  
A publicação destes pequenos excertos tem como propósito quebrar o ciclo disfuncional associado ao estigma, à negação e à vergonha. Na sociedade atual, é cada vez mais frequente o aparecimento deste tipo de problemas, refiro-me, obviamente, aos comportamentos adictivos. Por vezes, a distancia, entre pessoas com problemas adictivos idênticos, pode ser uma porta, um prédio e/ou uma mesa do escritório. A ajuda surge quando o ciclo disfuncional do silêncio é  interrompido.  

Pedidos de ajuda que quebram o estigma, a negação e a vergonha. Todos os dados pessoais foram alterados de forma a manter a confidencialidade dos intervenientes.

"Chamo-me T. e a minha relação com o meu pai está, neste momento, está estagnada, já praticamente não falamos um com o outro. Optei por não responder a determinadas conversas (mas não sei se é a melhor opção). O meu pai foi ao medico, há uns dias, e foi-lhe diagnosticado  uma cirrose hepática, também por excesso de álcool. Sei que a minha mãe sempre foi infeliz. Acha que há alguma coisa que eu possa dizer/fazer que o vá ajudar? Sei que se as coisas não mudarem, não serei capaz de manter esta relação, sinto que estou sozinha. Preciso de ajuda, Obrigado."


"Chamo-me C. e o meu pai é alcoólico. Após algumas tentativas de desintoxicação, está novamente a beber. A minha mãe não consegue ajudá-lo e decidiu-se pela separação. Ele não acredita que ela concretize. Ela só quer que ele reconheça a necessidade de ajuda para uma nova tentativa de desintoxicação e uma vida sem álcool. Ele não aceita que está doente e mente convictamente dizendo que não bebe. Como o posso levar a perceber a sua doença?Ajude-me."


" Chamo-me M. e venho por este meio pedir ajuda em relação ao vício das drogas leves. Gostaria de saber o que preciso de fazer para me tratar. Sinto me doente e perdi a energia para fazer seja o que for. Consumo drogas leves há vinte anos, e cada vez mais, sinto que o meu corpo e mente, estão cada vez pior e quero mudar de estilo de vida. Tenho muito para viver e está a mexer em todos os níveis da minha vida. Obrigado"

"Bom dia, chamo-me L. e nunca imaginaria que tal coisa pudesse tomar proporções tão devastadoras e incapacitantes. Era eu, uma adolescente de 14 doloridos anos, perdida num mundo de inseguranças, medos irracionais e rejeições quando perdi toda e qualquer vontade de viver a vida, pois havia sido identificado a bulimia, que me consume todo o meu ser. Atualmente, os meus dias baseiam-se exclusivamente em comida, vómitos, exercícios, peso, dietas, calorias, pensamentos, balanças, dor, culpa, compulsividade. Preciso de uma orientação. Obrigado"


"Chamo me A e venho pedir ajuda, estou deprimida e não sei o que fazer à minha vida. Descobri no computador, no telemóvel e na conta bancaria do meu marido que ele é adicto ao sexo (pornografia, prostituição e outras coisas que tenho vergonha em falar). Estou casada há 25 anos e temos dois filhos maravilhosos. Ele apesar das evidências continua a negar. Estou desesperada, ajude-me, por favor."


Comentário: O silêncio disfuncional não o/a protege da doença da adicção, nesse sentido, peça ajuda. Tal como fizeram centenas de indivíduos e famílias resilientes que conseguiram alcançar a Recuperação e um novo modo de vida. Se identifica um problema, você não é o/a unica/o e não está sozinho/a.


sábado, junho 16, 2012

Controlar a adicção pode ser uma obsessão


Um dos temas mais controversos no tratamento da adicção, gira em torno do auto controlo e/ou a falta dele. Paradoxalmente, um número muito significativo de adictos (homens e mulheres) e as suas famílias, apresentam uma predileção especial pelo controlo.

Dependemos unicamente das nossas competências e recursos para realizar os nossos projetos e ambições, isso é sinonimo de auto controlo. Na prática, é-nos incutido de uma forma explícita, que precisamos de controlar os nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos e também dependemos do autocontrolo, para viver, segundo as tradições, as regras e os rituais (paradigmas e estereótipos) da família e da sociedade em relação aquilo que está certo e aquilo que está errado; direitos e deveres.

Dependemos do auto controlo para sobreviver, custe o que custar, nesta batalha campal que é o dia-a-dia, feito de correrias, preocupações e stress.

O autocontrolo e o prazer imediato
O que é que o consumo de álcool, drogas ilícitas, a ingestão de alguns alimentos ou o contrario (restrição alimentar), relacionamentos de intimidade/paixão, o jogo, o sexo, as compras têm em comum? É a sensação de prazer imediato, intenso e de bem-estar que as pessoas sentem. Existem sensações de prazer imediato e intenso, para todo o tipo de gostos e preferências. Todavia, do ato normal e legitimo, curioso, inofensivo e saudável da busca de prazer até á dependência pode ir uma distância muito grande ou não.

segunda-feira, junho 04, 2012

Para quê? e para quem?



Caros leitores,
Não queria começar sem agradecer o convite feito pelo João Alexandre para escrever para os seus blogues. Obrigado!

Decidi escrever sobre este tema porque continuo a assistir a um fenómeno recente, a meu ver, pouco ético de lidar com o cliente/paciente e sua família. Em desespero, as pessoas estão prontas para fazer qualquer coisa, ou aceitar qualquer proposta para parar o sofrimento diário.

Porquê o anonimato? Se pegarmos numa curiosidade verificamos que nas dezenas de irmandades de 12 Passos existe sempre uma palavra que não muda. Então vejamos: Narcóticos Anónimos, Alcoólicos Anónimos, Cocaína Anónimos, Famílias Anonimas, Nicotina Anónimos, entre muitas outras. É fácil, é a palavra “Anónimos” está sempre presente porque é extremamente importante. Esta palavra está sempre presente para proteção. Mas para proteção de quem? Também é fácil. Para proteção dos membros dessas irmandades.

A importância do anonimato surge resultante da experiência acumulada, ao longo de varias décadas, por membros das mesmas irmandades. Sabe-se que a recuperação não é fato consumado, isto significa que a recuperação é construída e alicerçada, todos os dias, um dia de cada vez. Um individuo que hoje está em recuperação; amanhã pode não estar. Para além disso, a vida é uma maratona, e aquilo que hoje podemos considerar inofensivo não significa que não possa trazer consequências para nós ou para as nossas famílias, a medio e a longo prazo; capaz de gerar muitos momentos de dor e sofrimento.

segunda-feira, maio 28, 2012

Dica: Recuperação dos comportamentos adictivos



Recuperar da Adicção envolve sentimentos, nesse sentido, você precisa de reaprender novas competências e recursos de forma a identificar e a expressar os sentimentos (pensamentos-sentimentos-comportamentos). Ao contrário daquilo que possa sentir, não são os sentimentos que determinam que tipo de pessoa é; são as suas decisões, das quais você é o único responsável, para o bem ou para o mal. Não são os sentimentos de definem o caracter, mas o resultado das ações. Por exemplo, qual é o seu ídolo? Mestre? Mentor? Herói? O que é que você admira nessa pessoa? São os sentimentos privados dessa pessoa ou aquilo que ele/a é e faz? Na realidade, você não conhece essa pessoa na intimidade.  

 Durante a adicção ativa (circulo adictivo) recorre-se às substâncias psicoactivas lícitas, incluindo o álcool e os fármacos, e as ilícitas ou aos comportamentos adictivos (jogo, sexo, compras, furto, codependência e distúrbio alimentar) para “fugir/adormecer” os sentimentos dolorosos – dor e a compulsão é direcionada para a obtenção do prazer/gratificação. Os fins justificam os meios. “Só mais uma, desta vez vai ser diferente…”

Sentimentos Vs. Resultados
Em recuperação faça uma monitorização, a mais honesto possível, dos seus sentimentos, em particular da raiva. Esteja atento/a aos seus impulsos (hábitos e rotinas) aos seus pensamentos irracionais (padrões antigos de julgar as situações e as pessoas). Por exemplo; se você está irritado/a encara um conflito de uma maneira; se está confiante encara o conflito de maneira diferente. Não existe absolutamente problema nenhum, caso você sinta raiva, é humano haver conflitos entre pessoas, principalmente quando se sente frustrado, magoado, desiludido, enganado e/ou injustiçado. Todavia, como você sabe, a raiva é uma energia muito poderosa, que precisa de ser monitorizada e direcionada para algo construtivo. Por exemplo, quando você estiver em raiva (energia poderosa) precisa de pensar no tipo de decisões que pretende fazer e os resultados que pretende atingir, de forma a não cometer os mesmos erros à espera de resultados diferentes. 

Dois tipos de decisões:
A. Decisões relevantes que podem gerar resultados construtivos e positivos;
B. Decisões, menos relevantes, podem gerar resultados negativos e indesejados, capazes de gerar sentimento de culpa, vergonha e inadequação, impotência, mais raiva, auto piedade e isolamento social.
Aprenda a utilizar as situações dolorosas (sentimentos) como catalisador para o seu crescimento emocional/espiritual (não religioso, sem dogmas e/ou divindades), em vez de ser gerador de mais problemas. É através do sentimentos que conseguimos ser criativos, intuitivos e resilientes, porque permite-nos atribuir ao rumo da vida, o propósito e sentido que entendermos e que melhor se adapta às nossas próprias necessidades.
No processo de adaptação à adversidade e à mudança atribua à dor um novo e diferente significado: 1. Identifique os seus sentimentos, não seja demasiado crítico em relação aos sentimentos dos outros. 2. Não coloque rótulos/julgamentos por sentir raiva “Sou assim, porque o meu pai também era”. 3. Não seja demasiado rígido e/ou não tire conclusões precipitadas. 4. Tente interpretar os seus pensamentos (padrões antigos de julgar, de defesa, de reagir perante o perigo eminente – erros cognitivos) que desencadeiam os sentimentos dolorosos.

Faça esta pergunta a si mesmo quando estiver a sentir raiva. "Qual é a fonte desta raiva? O que é que pretendo fazer que seja relevante e construtivo em vez de destrutivo e gerador de culpa e vergonha?
Na vida as coisas têm a importância (atenção) que nós lhes damos. Na gestão construtiva da raiva o mais importante não é aquilo que sentimos; mas aquilo que fazemos (ações- comportamentos) com os sentimentos de forma a atingir os nossos objectivos.
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Caso não esteja a conseguir obter resultados que pretende peça ajuda. Envie um email para xx.joao@gmail.com



sábado, maio 19, 2012

Quando o amor não é suficiente


Veja os bastidores do filme "When love is not enough"que aborda a relação entre Bill W (Co-fundador dos Alcoólicos Anónimos) e a sua esposa Lois Wilson (Co-fundadora dos Al-Anon 2), com a participação do actor Barry Pepper "Bill W." e da actriz Winona Ryder "Lois Wilson".
O filme retrata a relação, entre marido e esposa, extremamente afectada pelos efeitos do alcoolismo, durante a "Grande depressão", no inicio dos anos 30, nos EUA.

Em 1999, a prestigiada revista - Time Magazine afirmou que Bill W. era considerado uma das 100 personagens do século.

Notas:
1. Tradução: "Quando o amor não é suficiente"
2. Al-Anon é a designação americana dos grupos de Ajuda-mutua que reunem as mulheres e familiares, dos indivíduos alcoólicos




quarta-feira, maio 09, 2012

O problema, por Dan Keding


O problema
"Era uma vez um lavrador. Embora trabalhasse noite e dia, nunca conseguia deixar de ser pobre. De cada vez que começava a sentir que estava a tirar o melhor partido de uma situação, tudo acabava sempre por falhar. Se num ano havia seca, no outro havia cheia. Se num ano os rebanhos adoeciam, no ano seguinte os lobos dizimavam-nos. Se num ano o preço do cereal descia, no ano seguinte o rei subia os impostos.
Certo dia, o lavrador estava sentado num tronco, cabisbaixo e desesperado. De repente, apareceu uma estranha e grotesca criatura a dançar, a cantar e a rir à volta do lavrador. Os pelos que lhe cobriam o corpo estavam emaranhados, os olhos selvagens faiscavam e tinha os dentes pretos. O cheiro que exalava quase fez o lavrador chorar.
— Quem és tu?
— Eu, bom homem, sou o teu problema. Só passei por aqui para ter a certeza de que eras o mais infeliz possível!
— Monstro! Então é por tua causa que nunca coisa alguma me corre bem?
— Pois é! Eu sou o teu azar, a tua desgraça. Sem mim, serias um homem com sorte.
Rápido como o vento, o pobre homem agarrou o seu problema pelo pescoço e amarrou-o com cordas fortes. Em seguida, abriu uma cova bem funda e atirou a sua desgraça lá para dentro. Tapou-a com pedras e regressou a casa.
No dia seguinte, a sorte começou a mudar. As ovelhas deram à luz gémeos, as vacas começaram a dar duas vezes mais leite, as culturas cresciam mais depressa e mais alto do que nunca, e as árvores estavam carregadas de frutos. Todos os comerciantes queriam comprar os seus produtos e toda a gente vinha adquirir os seus legumes, frutos e animais. Em poucas semanas, o homem, que fora tão pobre, estava rico.
O lavrador tinha um vizinho que habitualmente era bem-sucedido. Este homem rico sempre olhara com desdém para o lavrador e ridicularizara o seu trabalho. Agora via que o lavrador estava quase tão rico como ele e, ainda por cima, em tão pouco tempo. Um dia, não conseguiu aguentar mais a curiosidade e foi visitá-lo.
— Parabéns, vizinho, pela sua recente boa sorte. Devo dizer que estou admirado com a rapidez com que conseguiu fazer prosperar esta quinta. Qual é o segredo?
— É simples. Encontrei a raiz do meu infortúnio. O meu problema veio vangloriar-se da minha má-sorte e eu apanhei-o. Enfiei-o num buraco fundo, que cobri com pedras, um buraco que fica na minha pastagem. Essa é, sem dúvida, a razão pela qual finalmente tive sorte, depois destes anos todos de trabalho e fracasso.
O lavrador rico não gostou que o vizinho tivesse finalmente triunfado na vida. Naquela mesma noite, rastejou até ao buraco onde o problema do vizinho estava enterrado. Durante toda a noite levantou as pesadas pedras e cavou a terra até encontrar o problema. Desamarrou-o e pô-lo em liberdade.
— Muitíssimo obrigado — gritou o problema. — O senhor é um verdadeiro amigo.
— Agora — disse o homem rico — podes voltar a atormentar o teu antigo dono outra vez.
— Não, não, não! — Gritou o problema. — Aquele homem tratou-me muito mal e atirou-me para dentro deste buraco. Mas o senhor foi tão amável em libertar-me! Vai ser um amo muito melhor. Vou ficar consigo para sempre. Assim foi e assim devia ser."

  • Dan Keding, Stories of Hope and Spirit
  • Little Rock, August House Publishers, 2004, (Tradução e adaptação)