sexta-feira, dezembro 19, 2008

Jogo Patologico Online


1 - Qual o perfil e o padrão do jogador compulsivo na internet? Quais os sinais de alerta?
Em Portugal, ainda não existem estudos fidedignos sobre este problema, todavia, já existem profissionais determinados a avaliar o perfil do jogador. É ainda difícil, identificar o perfil do Jogador Compulsivo na Internet (JCI). Pode ser qualquer jovem ou adulto (homem ou mulher). Ao contrário do que acontece com a dependência de substâncias adictivas (drogas licitas e ilícitas, incluindo o álcool) o individuo que joga online não apresenta sinais/sintomas evidentes a nível físico, cognitivo e comportamental. No indivíduo que joga compulsivamente online é extremamente difícil observar qualquer destes sintomas.

Pode ser alguém com poder financeiro que desvia fundos para jogar on-line, por ex. o homem/mulher de negócios que aplica os recursos financeiros das suas empresas e/ou dos seus sócios nas apostas. Alguém que utiliza o cartão de credito. Pode ser qualquer individuo que retira dinheiro da sua conta e/ou do seu cônjuge, do filho/a e que aplica nas apostas on-line (ex. desporto) de uma forma compulsiva. O dia-a-dia do JCI gira em torno do jogo on-line. É o assunto nº 1 na sua vida.

O JCI pode ter sido um indivíduo honesto, mas cujo comportamento adictivo o levou a cometer actos ilegais (fraude, roubo, falsificações, crimes de “colarinho branco”, etc.). São pessoas competitivas, energéticas, inquietas e que facilmente se aborrecem quando as aquelas actividades não envolvem risco. Podem mostrar-se demasiado preocupados com a aprovação dos outros e ser generosos ao ponto da extravagancia.

A actividade associada ao jogo proporciona oscilações drásticas no humor. Os altos, são muitos altos (por ex. quando se pensa em vencer, quando se consegue mais um empréstimo, quando se ganha um premio, etc.) e de imediato, os baixos, são muito baixos (por ex. quando se perde todo o dinheiro – ex. 10.000 €, não consegue recuperar o dinheiro do ordenado que foi apostada, quando se é confrontado pelas dividas e/ fraudes, quando se rouba e mente “promessas sucessivas quebradas”, quando já não existem álibis para angariar mais fundos para apostar, quando se descobre uma falsificação, a angustia e o pânico e em ultimo caso ideias sobre o suicídio).

Segundo o DSM IV (Manual de Diagnostico de Psiquiatria) define alguns critérios associados ao jogo patológico:
1. Preocupação com o jogo (por ex., preocupa-se em reviver experiências de jogo passadas, avalia possibilidades e/ou planeia a próxima aposta, e/ou pensa em esquemas para obter dinheiro para jogar).

2. Necessidade de apostar quantias de dinheiro mais elevadas (arriscar), a fim de obter a excitação desejada.

3. Esforços repetidos e fracassados no sentido de controlar, reduzir ou interromper o jogo.

4. Ansiedade ou irritabilidade, quando tenta reduzir ou parar de jogar.

5. Jogar como forma de fugir dos problemas ou aliviar uma sensação de mal-estar (por ex., sentimentos de impotência, culpa, vergonha, ansiedade, depressão).

6. Após perder dinheiro no jogo, frequentemente regressa no dia seguinte a fim de recuperar as perdas.

7. Recorre à mentira (familiares e outros) para encobrir a extensão do seu envolvimento no jogo (consequências nocivas).

8. Pratica actos ilegais, tais como a falsificação, fraude, furto etc., para financiar o jogo.

9.Coloca em perigo ou destruiu uma relação significativa, o emprego ou uma evento educacional ou profissional associado ao jogo.

10. Recorre a outras pessoas com o fim de obter dinheiro para aliviar uma situação financeira desesperada causada pelo jogo.



2 - Quais as principais motivações que levam estas pessoas a jogar a qualquer hora?

De inicio a principal motivação é ganhar dinheiro fácil - apostar pouco; para ganhar muito. O objectivo principal e o impulso em apostar estão centrados no ganhar dinheiro. Pode ser ganhar um premio grande ou uma serie de pequenos prémios.
Normalmente, o JCI irá relembrar-se do momento “mágico” em que ganhou um prémio com significado especial. A primeira “vitória” será um episódio marcante que despoleta a motivação para continuar a jogar on-line. Acredita que vai voltar a ganhar e sentir a sensação de controlo – “vencedor”.

A questão prende-se não com a hora (timming), mas em ter dinheiro suficiente para apostar. Havendo dinheiro, qualquer hora é hora de jogar para ganhar. Jogar compulsivamente torna-se um acto (padrão) que costumo designar de Fé; repleta de significado e propósito (com rituais, superstições e crenças associados ao jogo on-line ex. interpretar números, elaborar esquemas e estratégias). Aquela aposta vai ser a “Salvação da minha vida” para a crise (dividas, empréstimos, fraudes, hipotecas etc.). A “parada” está muito alta – “É agora...ou nunca. É só mais esta vez.”. È uma justificação muito atraente e imperativa para continuar a jogar porque quer recuperar aquilo que perdeu. Neste sentido, a componente associada ao lazer é completamente perdida.

Quando se fala em jogador compulsivo na Internet (JCI) o indivíduo já não consegue reunir as competências cognitivas e comportamentais que lhe proporcionem um controlo do seu comportamento, estão criadas as condições para se desenvolver um problema grave. Surgem os sentimentos de culpa e vergonha, a negação e a ambivalência, o pânico, e o sentimento de impotência. Aumentam as dívidas e os empréstimos, as mentiras, a manipulação, as promessas e os roubos.

3 - Que consequências profissionais e familiares podem acarretar estes comportamentos?
Como é do conhecimento geral qualquer tipo de dependência acarreta consequências negativas para o indivíduo e também a sua família, incluído os filhos (ex traumas).
Existem estudos, nos EUA que revelam que algumas crianças, filhas de pais dependentes, “transportam” traumas que afectam o seu desenvolvimento até à idade adulta. Tornam-se adultos que adoptam comportamentos disfuncionais e destrutivos ao longo das suas vidas.

Na minha opinião é um problema serio que afecta negativamente o sistema dentro famíliar (intimidade, limites e confiança entre os adultos – pai e mãe, o relacionamento entre pais e filhos e irmãos).
A taxa de suicídio entre os jogadores compulsivos e os seus familiares é extremamente elevada.

Existem elevadas taxas de absentismo no trabalho. Por outro lado, quando não estão a jogar podem desenvolver uma relação disfuncional com o trabalho, isto é, funcionam bem sobre pressão e stress. Este comportamento pode afectar negativamente o trabalho de equipa e a organização. Valorizam-se por este comportamento e pelo risco inerente.

4 - Já se fala em cerca de 100 mil pessoas viciadas nos jogos de fortuna e azar na internet. Existem mais números sobre este fenómeno (nº de casinos virtuais, receitas dos casinos ou investimento dos portugueses nestes sites, faixa etária, mais homens que mulheres, etc.)?

Penso que a realidade sobre o JCI ainda seja um fenómeno ignorado e negligenciado pela nossa sociedade, incluindo a indústria do jogo, podendo ser potenciado ou minimizado. É raro alguém vir a publico denunciar e ou expor abertamente um caso com estas características e consequências negativas.

É mais fácil conhecermos alguém que tenha tido um historial de uso e/ou abuso de substancias licitas e ilícitas, incluindo o álcool. No caso do JCI é algo insólito, “raro” e um “segredo bem guardado”.
Uma especialista americana em Jogo Patológico afirma existirem muitos empresários interessados na indústria do jogo online sendo um segmento que pode apresentar lucros rápidos de milhares de euros todos os anos.

5 - O vício do jogo online está a aumentar ou a diminuir?
Não gostaria de dramatizar, mas acredito que possa existir um aumento significativo e progressivo ao longo dos últimos 10 anos. Parte significativa dos indivíduos activos no jogo Online que podem estar vulneráveis e correr riscos de desenvolver esta patologia a médio e longo prazo, são os adultos jovens por terem um maior acesso às tecnologias de informação, expostos ao apelo do dinheiro fácil e da excitação associada ao jogo. Assim como os jogadores “seniores” prefiram jogar online, no conforto do lar, isentos de uma exposição “publica”  e ou de restrições auto-impostas nos casinos.

6 - De que forma se pode combater esta doença social?
Considero algumas medidas a adoptar tendo em conta prevenir, reduzir e minimizar os danos associados ao jogo patológico que afecta milhares de famílias em crise em Portugal.

Primeiro, este tipo de patologia ser considerada uma doença em Portugal. De forma a anular qualquer duvida ou “falsos” diagnósticos por parte dos técnicos e respectivos pacientes. Naqueles casos, de patologia severa e crónica encaminharem os indivíduos para centros de tratamento e prestarem apoio psicossocial, incluindo aos familiares. Tal como acontece com a dependência das drogas (licitas e ilícitas, incluindo o álcool.

Existem inúmeros diagnósticos diferenciados associados ao jogo patológico (adicção) entre a classe médica que dificulta o seu tratamento e a auto-responsabilização necessária para o paciente iniciar a sua recuperação (mudança de estilo de vida).
Segundo, criação de leis/entidades que regulem e supervisionem a indústria do jogo (online) proporcionando informação ao público em geral sobre este tipo de problema de saúde. O jogo patológico e as suas consequências são um fenómeno que aparenta permanecer oculto e escondido.

Terceiro, discutir abertamente o assunto pelos órgãos de comunicação social e a sociedade em geral (nas escolas, nas famílias e na comunidade). Não se conhece evoluções científicas na investigação, no diagnóstico e no tratamento, em Portugal, como acontece por exemplo com outras doenças crónicas, ex. cancro.
Por ultimo, criação de equipas multidisciplinares especializadas, que assumam o compromisso, quanto ao tratamento de indivíduos afectados pelo Jogo Patológico e outros comportamentos adictivos e as suas famílias, incluindo as crianças, e encaminhamento para os Grupos de Ajuda Mutua (ex. Jogadores Anónimos).

Nota: Este texto fazia parte de uma reportagem cujo conteudo era para ser publicado mas por razões alheias não veio a acontecer. Por isso decidi publica-lo no blogue - Já dizia o sábio "Nada se perde, tudo se transforma."

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