quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Betty Ford Uma Alcoolica em Recuperação (1918/2011)



Elizabeth Bloomer Ford (Betty Ford) nasceu a 8 de Abril de 1918 e faleceu a 8 de Julho de 2011. Foi a viuva do antigo Presidente dos Estados Unidos da America, Gerald R. Ford. Ocupou o cargo de Primeira Dama na Casa Branca de 1974 a 1977. Foi a Presidente e a fundadora do Betty Ford Center, em colaboração com Leonard Firestone. Esta instituição trata pessoas com problemas de drogas lícitas, incluindo o alcool, e ilícitas (adição) e adoptou a filosofia dos 12 Passos dos Alcoolicos Anonimos no tratamento (metodologia). Em Outubro de 2004, Betty Ford Center celebrou 22 anos de existência. Também foi condecorada com a Medalha de Ouro pelo Congresso dos EUA, a mais alta condecoração publica. Esteve em recuperação do alcoolismo e drogas legais durante 30 anos.

Entrevista conduzida por Karen Westerberg Reyes (Planning Editor, AARP The Magazine) em Fevereiro de 1992.

“Entrevistamos Betty Ford num pequeno gabinete bem no coração do centro de tratamento Betty Ford, em Rancho Mirage, na Califórnia (EUA). Dedica-se a este trabalho que é a essência da sua vida activa – um estilo de vida que exige uma equipa de profissionais especializados de forma a manter as coisas organizadas. Todavia houve uma fase, após ter sido a Primeira Dama, dos EUA, em que sofreu de dependência de drogas licitas (medicação) e de álcool. Hoje afirma que a sua dependência encontrava-se na altura, num estado tão avançado e grave que sem a intervenção da sua família. “ O meu problema com as substancias podia progredir atingindo um ponto tal que um dia poderia não acordar mais.” A antiga Primeira Dama já partilhou muitas vezes a sua historia da aceitação da sua doença, adicção a substâncias – álcool e medicação prescrita pelo seu proprio medico, bem como a caminhada” da sua recuperação. “Será assim até aos últimos dias da minha vida”, Afirma peremptoriamente, contudo, refere que cada vez que volta a conta-la é sempre mais uma oportunidade para descobrir e adquirir novos discernimentos, quer sejam para si ou para a sua audiência."

KWR: Como era a sua vida antes da intervenção da sua família?

Betty Ford. Tínhamos acabado de sair de Washington. As crianças viviam afastadas de casa nessa altura. Pessoalmente sofria de uma enorme depressão e estava letárgica porque me encontrava sob o efeito de imensa medicação. Naquela altura, consumia álcool em combinação com a medicação para a dor da artrite e para dormir. Foi um milagre aquela combinação de substâncias não ter sido fatal. Não fazia a mínima a ideia dos sérios e graves riscos que corria, até chegar mais tarde, ao centro de tratamento em Long Beach (Califórnia) no Hospital da Marinha em 1978.

KWR: Naquela altura estava a ser seguida por um medico. O que ele lhe dizia?

B.F. Visitava o meu medico todos os dias por causa das dores da artrite. Ele não sabia ou não queria admitir a minha dependência das drogas. Penso que ele não sabia do meu problema com o álcool. Nunca fez qualquer referencia quanto a esse assunto. Infelizmente, ainda existem médicos que não estão devidamente informados e/ou que se recusam a admitir a doença do alcoolismo nos seus doentes.

KWR: O que pensou durante a intervenção familiar?

B.F. Antes da intervenção propriamente dita, a minha filha Susan e o meu ginecologista tentaram fazer uma pequena intervenção/abordagem sobre o meu problema com a drogas e o álcool. Praticamente, corri com eles para fora de casa. Felizmente, eles não desistiram ou cederam aos meus intentos e manipulações – mais tarde, voltaram à carga e “trouxeram as tropas”.
Na segunda intervenção, estava presente toda a minha família e dois médicos. Foi muito duro, resisti imenso, não queria aceitar o apoio que me queriam dar.
Numa primeiro reacção fiquei muito contente por ver toda a minha família reunida e feliz por estarem ali comigo. Mas quando me apercebi que afinal eles estavam ali para abordar o assunto do alcoolismo e das drogas fiquei cheia de raiva. Enfim, depois de muito se falar e discutir, comecei a admitir, cheia de dor, que tinha falhado como esposa e mãe da minha família. Senti que os abandonei, e apesar disso tudo, eles estavam ali e continuavam a dizer que me amavam muito e não iriam permitir que cedesse à doença. Após um período de tempo que comecei a contemplei “a luz” na minha vida.

KWR: Houve alguém em especial que a apoiou, fora do contexto familiar, durante a sua recuperação?

B.F. Sim houve de facto. Algumas mulheres (conselheiras) foram especiais e ajudaram principalmente na fase inicial do tratamento. Através do seu apoio e dedicação, percebi que as mulheres também podem ser alcoólicas, em recuperação, e eu podia ser uma dessas mulheres.

KWR: Como é que se relacionou com a família após ter terminado o seu tratamento em regime de internamento?

B.F. Durante o meu alcoolismo activo, a minha família – especialmente as crianças – conseguiam manipular-me perfeitamente. Nesse tempo dizia sim a tudo. Depois de iniciar a recuperação (abstinência) das drogas e álcool, assumi o controle da minha vida. De inicio, gerou-se imenso ressentimento, porque de repente, queria “lutar” contra tudo e contra todos. Entretanto. a minha família também começou a perceber que esses ressentimentos fazem parte de uma vida familiar saudável,  e é assim a recuperação do alcoolismo e das drogas.

KWR: Como relaxa depois de um dia agitado de trabalho?

B.F. Bebo um chá ou um café numa atitude relaxante. Se realmente me sinto cansada vou nadar para a nossa piscina. Faço exercício físico. Também utilizo livros de meditação que me ajudam a “reagrupar” os meus pensamentos. È uma questão de equilíbrio emocional e físico.

KWR: Que sugestão dá ás mulheres de meia-idade que estejam a ter problema de adicção? E às suas famílias?

B.F. Espero que alguém que esteja a ter problemas de adicção procure ajuda. Hoje em dia existe ajuda disponível. Quanto aos familiares procurem identificar quais os comportamentos facilitadores ou codependentes. A melhor forma de lidar com essa situação é procurarem as Al-Anon (Famílias Anónimas). Também devem procurar ajuda profissional – Intervenção.
No Centro Betty Ford disponibilizamos serviços de intervenção e/ou tratamento. Numa abordagem holística, em tratamento de regime de internamento, acreditamos que todas as áreas da vida do indivíduo devem ser contempladas no plano de tratamento pelos profissionais, em áreas tão distintas como a nutrição, passando por actividade física até à área espiritual.

KWR: Se pudesse mudar algo na sua recuperação, o que seria?

B.F. Desejava que a adicção não tivesse chegado a um ponto tão critico e severo. Não quis ser uma alcoólica. Mas como uma alcoólica, em recuperação, este foi provavelmente o melhor período da minha vida. Teria perdido uma jornada extraordinária da minha vida em conjunto com a minha família.Existe por aí muita ajuda””


http://en.wikipedia.org/wiki/Betty_Ford

http://www.bettyfordcenter.org/

Comentário: Já há alguns anos que sou um admirador desta grande senhora. Pelo seu exemplo, como ser humano e pelo seu trabalho (a sua missão e o seu dom) em benefício das pessoas e famílias afectadas por este enorme flagelo (alcoolismo e drogas) que afecta milhões de pessoas em todo o mundo. Como antiga Primeira Dama, personalidade influente na sociedade norte americana, dá o seu rosto por uma causa nobre fazendo a diferença entre o estigma e a negação(vergonha tóxica) e a honestidade (liberdade e aceitação).
 
A doença da adicção assume contornos incontroláveis e destrutivos quando é “escondida”, camuflada ou negada.

Acredito que é algo imensurável o contributo de Betty Ford se pensarmos nas vidas de adictos e familiares que são devolvidas à felicidade, à esperança, à dignidade, à humanidade, à fé, à bem-aventurança, ao exemplo, à confiança. Depois de ela própria ter atravessado uma fase difícil da adicção activa (alcoolismo e drogas licitas) e conseguir manter-se em recuperação à 30 anos, é uma senhora com um S dos grandes.

Acredito que é um exemplo (ensinamento) para todos nós, desde as pessoas com problemas de adicção activa e em recuperação como ela propria, assim como para todos os profissionais da area e publico em geral.
 
Gostaria de recordar que existem em Portugal imensos casos de pessoas acima dos quarenta anos que também elas estão “aprisionadas” à adicção a drogas (casos dos tranquilizantes, ansioliticos, hipnóticos, alcoolismo, etc.) que através desta maravilhosa experiência e exemplo desta grande senhora podem contemplar a esperança e um novo modo de vida. Nunca é tarde para mudar... e para pedir ajuda.

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